“Minhas posses materiais são poucas e eu deixo tudo para você…
Uma coleira mastigada em uma das pontas, faltando dois botões, uma
desajeitada cama de cachorro e uma vasilha de água que se encontra
rachada na borda.
Deixo para você a metade de uma bola de borracha, uma boneca rasgada
que você vai encontrar debaixo da geladeira, um ratinho de borracha sem
apito que está debaixo do fogão da cozinha e uma porção de ossos
enterrados no canteiro de rosas e sob o assoalho da minha casinha.
Além disso, eu deixo para você a memória… que aliás são muitas.
Deixo para você a memória de dois enormes e meigos olhos, de uma
caudinha curta e espetada, de um nariz molhado e de choradeira atrás da
porta.
Deixo para você uma mancha no tapete da sala de estar junto à janela,
quando muitas vezes eu me apropriava daquele lugar, como se fosse meu, e
me enrolava feito uma bolinha para pegar um pouco de sol.
Deixo para você um tapete esfarrapado em frente da TV, o qual nunca
foi consertado com o tipo de linha certa… isso é verdade. Eu o mastiguei
todinho, quando ainda tinha cinco meses de idade, lembra?
Deixo para você um buraco que fiz no jardim perto da varanda da
frente, onde eu enfiava a cara naqueles dias quentes. Ele deve estar
cheio de folhas e por isso talvez você tenha dificuldades em
encontrá-lo. Sinto muito.
Deixo também só para você, o barulho que eu fazia ao correr, quando íamos sair para passear.
Deixo ainda, a lembrança de vários momentos pelas manhãs, quando eu
lhe acordava pulando em cima da cama, e você me colocava de volta no
chão.
Recordo-me das suas risadas, porque eu ficava magro e engraçado depois do banho.
Deixo-lhe como herança minha devoção, minha simpatia, meu apoio
quando as coisas não iam bem, meus latidos quando você chegava… e minha
frustração quando você brigava comigo.
Eu sei que nunca fui à igreja, mas mesmo sem haver falado sequer uma
palavra em toda a minha vida, deixo para você meu exemplo de paciência,
amor e compreensão.
Nunca esquecerei de você…”
(autoria sugerida: Frank Reichstein)